A ilha onde Mandela ficou preso

 

Renato Alves (texto e fotos)

Cidade do Cabo – A ilha onde Nelson Mandela ficou 18 dos 27 anos preso é um dos pontos mais disputados pelos turistas que começam a chegar à Cidade do Cabo para a Copa do Mundo de 2010. Restam poucas vagas para o tour durante o torneio de futebol. Passeio imperdível para quem deseja saber mais sobre as atrocidades do apartheid.

Muitas delas são lembradas por ex-prisioneiros políticos, também trancafiados durante anos por lutar contra o regime de segregação criado pelos brancos descendentes de holandeses. Além do passado odioso, a Robben Island guarda uma das mais fascinantes histórias do futebol, quase desconhecida.

Distante 12km do porto da costa da Cidade do Cabo, a ilha começou a receber líderes negros que se rebelaram contra o apartheid em 1960. Somente 31 anos depois, ela foi desativada para essa finalidade. Em 1996, deixou de ser definitivamente um presídio de segurança máxima e virou museu.

Desembarquei na ilha em uma tarde ensolarada, após 20 minutos numa das modernas lanchas mantidas pelo governo sul-africano.

Para o visitante, não há outra maneira de chegar até lá. Considerado patrimônio da humanidade, o lugar também é santuário natural de espécies marinhas e terrestres.

Memória preservada

Ao pisar no cais da Robben Island, logo se vê grandes painéis fotográficos mostrando negros presos sendo levados para a prisão sob escolta de soldados brancos. A partir de então, todo o cenário é o mesmo dos tempos dos horrores da política racista, inclusive as placas, os prédios e a mobília.

Após cruzar o portão principal, ainda com um “bem-vindo” em africâner – dialeto dos colonizadores holandeses, outra marca da segregação –, os turistas (700 por dia na baixa temporada, 2 mil na alta) entram em ônibus para uma visita guiada de duas horas.

O nosso guia, descendente de indianos, outro povo perseguido no apartheid, logo explica que a ilha começou a ser usada como lugar de exclusão muito antes do regime racial. Ele abrigou os primeiros prisioneiros no século 17. Logo tornou-se destino de doentes mentais, mendigos, prostitutas, alcoólatras e idosos ou outros que não podiam trabalhar e eram considerados loucos.

Toda essa gente era alojada nas mesmas condições dos prisioneiros. Ninguém recebia tratamento médico. Entre 1910 e 1960, com a epidemia de lepra no país, a Robben recebeu os doentes, tratados um em hospital e enterrados em cemitério só para as vítimas da doença. Os túmulos permanecem como há 50 anos.

Para quebrar o clima mórbido, o cemitério e boa parte da estrada de terra da ilha são cercados de simpáticos pingüins. Logo após passar pela rua onde construíram o vilarejo para abrigar os guardas e seus familiares, o ônibus para novamente, onde os visitantes descem e apreciam uma das mais belas paisagens da Cidade do Cabo, com as montanhas e o estádio Green Point em destaque.

Quebrando pedra

O passeio prossegue com mais paradas. Uma delas em frente à caverna onde os negros se reuniam para estudar e, especialmente, para falar sobre o apartheid, quando não estavam na cela ou trabalhando. A outra, no paredão de calcário, onde presos passaram anos quebrando pedras, sem qualquer proteção. A atividade prejudicou a visão de Mandela, devido aos raios de sol que refletiam nas pedras em suas pupilas.

Deixando o ônibus, somos recebidos por outro guia, ex-detento. No interior do antigo presídio, numa sala onde era um dormitório, o monitor relata os sete anos de cadeia. “Havia um cardápio para os negros e outro para os coloureds (denominação para os que não são negros nem brancos) e indianos. Nós (os negros) ficávamos com o pior, um mingau”, conta Sparks Mlilwana, 44 anos (foto abaixo, mostrando cópia da sua ficha na cadeia).

Para ele, o frio também era um castigo. “Não tínhamos cobertores, blusas, apenas um pedaço de pano para nos cobrir, por isso deitávamos no chão e muitos adoeciam”, recorda-se. A visita para os presos da ilha só acontecia de três em três meses. “Além de esperar esse tempo todo, nós não poderíamos nos comunicar em nossa língua materna. Éramos obrigados a falar em inglês.”

Mlilwana ficava com outros 59 presos políticos em uma cela feita para 20. Todos eram acordados às 5h30, forçados a atravessar o pátio nus e revistados. Comiam agachados. Os guardas batiam em qualquer um que tentasse sentar-se. Eram comuns as mortes por fome e por espancamento.

 

Cela apertada

Os prisioneiros eram divididos pelos sete setores, classificados de acordo com o grau de periculosidade. O atual presidente do país, Jacob Zuma, por exemplo, era da ala G, onde ficou por 10 anos. Já a de Mandela, a B, era dos presos considerados mais perigosos, os principais líderes anti-apartheid.

Mandela passou a maior parte do tempo na cela 4 (foto abaixo), sozinho. “Ele era o prisioneiro 466/64, ou seja, o 446º detido em 1964”, explica Mlilwana. No cubículo de 4 metros quadrados, Mandela ajeitava o corpo de quase dois metros para tentar dormir. Na maior parte do tempo na ilha, ele nunca teve cama, cadeira ou mesa.

 

A bola também rolou por lá

Apesar de qualquer prática esportiva ser proibida aos presos nos anos de apartheid, os detentos da Robben Island burlaram as regras e começaram a disputar rachões nas celas maiores com bolas feitas de pano. Após muita pressão internacional, inclusive da Cruz Vermelha, a direção do presídio liberou o futebol, construindo dois campos no gramado da área externa do presídio.

Com as arenas, o futebol ganhou mais força na ilha. Tanta que, em 1967, criaram a Makana Football Association (MFA), a federação de futebol de Robben Island. Ela organizou campeonatos, com oito times, juízes e as regras da Fifa. O nome da associação era uma homenagem a um dos líderes da luta contra o racismo.

Atual presidente da África do Sul, Jacob Zuma era um dos árbitros da MFA. Na época, o país estava suspenso pela Fifa por causa do regime do apartheid. “Os brasileiros e ingleses não têm o talento que nós tínhamos aqui”, brinca Anthony Suze, um dos organizadores dos torneios e hoje guia da ex-prisão.

Outra figura importante da MFA foi Tokyo Sexwale. Ele ajudou a redigir a nova constituição da África do Sul em 1994 e hoje integra o Comitê Organizador da Copa do Mundo. “Tudo era proibido na Robben Island, mas conseguimos os regulamentos da Fifa. Tínhamos até árbitros ‘profissionais’ e rigorosas comissões disciplinares. Os times eram formados de acordo com a orientação política de cada um”, conta Sexwale.

O líder negro ressalta que o futebol foi importante para unir os prisioneiros políticos e trazer esperança a todos. “Com os jogos, superávamos todas as barreiras políticas. Percebemos que a associação era uma ferramenta muito importante para mantermos a solidariedade, a harmonia e a cooperação.”

Em 2007, a Fifa reconheceu a MFA como membro honorário da entidade. Mas, assim como a prisão, os campos da ilha acabaram desativados. Hoje não passam de pedaços de terra tomados pelo mato.

SAIBA MAIS

Nelson Mandela acabou detido em 1964 sob a sentença de prisão perpétua, acusado pelo governo da minoria branca de liderar movimentos terroristas contra o apartheid. Por causa de forte pressão da comunidade internacional, que impôs sanções políticas e econômicas à África do Sul, Mandela acabou libertado em 1990, para virar presidente do país quatro anos depois, na primeira eleição direta com todos os cidadãos tendo direito a voto, independentemente da cor da pele.

 

VISITAS

Onde: Barcos rápidos e confortáveis, chamados de ferry boat, partem diariamente da V&A Waterfront (porto que virou um dos mais badalados pontos turísticos da Cidade do Cabo).

Quando: Os barcos saem a cada duas horas, apartir das 9h, sendo que o último parte às 15h. No entanto, são comuns as suspensões das travessias, quando o tempo ou o mar não estão bons. 

Quanto: O passeio custa 200 randes, o equivalente a R$ 50, e inclui a passagem de ida e volta da travessia, a entrada na prisão e o passeio guiado pela ilha, dentro de um ônibus.

7 comentários em “A ilha onde Mandela ficou preso

  1. Gostei das dicas segundo ele foi um prisioneiro depois torno presidente e opais agradece muito nao so opais a Africa inteira, eu sou angolano mas a Africa do sul e um pais que nao os habitantes queixam se como angola

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  2. Sao esse e muitos lideres africanos,deram a sua vida em prol da raca negra ,descriminada ate os dias de hoje,morreu muita gente,mais a guerra ainda nao acabou,sinte/mos na pel os feitos dessa descriminacao ate no meu propro territorio,na maioria das vezea pelo proprio irmao negro!!!

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  3. A trajetória de Nelson Mandela é o exemplo puro de um homem que, desprovido de qualquer interesse pessoal, lutou e acreditou num mundo onde as pessoas não sejam discriminadas pelo simples pigmento de sua pele.

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  4. obrigado pelas dicas
    estou indo em julho, desço en JHN fico 2 dias e depois vou para CABO
    se tiverem dicas de como me alojar e me locomover
    agradeço mto
    estaremos em 3 pessoas
    atenciosamente

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